Fundação Portuguesa de Cardiologia tenta há vários anos convencer a indústria da panificação a reduzir o sal, sem sucesso. A resistência à mudança tem "razões económicas".
A maior parte do pão vendido em Portugal tem perto de 10 gramas de sal por quilo, muito acima da média de muitos dos pães consumidos na União Europeia, afirma o presidente da Sociedade Portuguesa de Hipertensão, Luís Martins, um dos autores de um estudo sobre o tema realizado na Universidade Fernando Pessoa, no Porto, que é apresentado quinta-feira em Lisboa. Luís Martins diz que os resultados do estudo que testou 40 tipos de pão - nomeadamente o pão de trigo, de centeio e integral - são "assustadores".
Os pães portugueses foram comparados com outros de perto de dez países europeus e nalguns casos têm mais do dobro do sal. O médico nota que basta que cada pessoa coma duas carcaças para poder atingir a dose diária de sal recomendada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que é de 5,5 gramas por dia.
Um estudo dos mesmos autores do ano passado comprovou que consumo médio de sal dos portugueses é dos mais elevados da Europa, com 12 gramas por dia. Se o pão for acompanhado de presunto ou fiambre ainda o dia não vai a meio e já foi ultrapassada a dose diária recomendada, alerta o responsável. "O nosso pão [dito] sem sal tem sal a mais."
A presença de sal tem uma relação directa com o cancro do estômago, a hipertensão arterial e o acidente vascular cerebral (AVC), doença que continua a ser a principal causa de morte em Portugal. "Se conseguirmos reduzir alguns gramas por dois ou três anos é uma das medidas de saúde pública mais importantes dos últimos anos. "O problema é há muito conhecido, reconhece o presidente da Fundação Portuguesa de Cardiologia, Manuel Carrageta, que diz que há cerca de dez anos que fazem esforços junto da indústria da panificação para a redução do sal. Mas os apelos têm tido pouco sucesso.
Manuel Carrageta afirma que há "razões económicas" para a recusa da indústria em mudar: quanto mais sal há nos alimentos mais estes retêm água e ficam mais pesados, o que sai mais barato ao produtor porque implica o uso de menos farinha, explica o cardiologista. Ao mesmo tempo, "os produtos salgados estimulam a sede", o que promove a indústria das cervejas e refrigerantes. Existe também um factor cultural, que está relacionado com "o desenvolvimento tardio da rede de frio [frigoríficos]" (depois dos anos 1970). Isto significa que a conservação de alimentos em sal se manteve até tarde e isso criou hábitos de consumo de sal.Curioso é dizer que as papilas gustativas não dão por diferenças de sal até aos 20 por cento. "Se reduzirmos o sal em 19 por cento as pessoas não notam", o que podia permitir a redução gradual do consumo. João Duarte Freitas, presidente da assembleia geral da Confraria do Pão (associação que defende o pão tradicional) e médico, concorda com a necessidade de reduzir o teor do sal porque isso não vem alterar as suas propriedades. "Não se está a falar de sabores, está-se a falar de tempero."
Artigo publicado no jornal O Público em 13/11/2007 por Catarina Gomes